quarta-feira, 5 de março de 2025

VENDISE AKI UM SITIU BÃO


Quando eu vim trabalhar na Rádio Educadora, a emissora - através dos trabalhos do Silvio Pedro - mapeava o alcance dos seus sinais.. Num fuscão equipado com antenas e as parafernálias necessárias para captar nossa sintonia viajei com esse meu amigo (que me trouxe para cá) por todas as cidades da nossa micro região.

Eu sabia que quase 70% das populações de Ipatinga, Coronel Fabriciano e Timóteo eram de pessoas que vieram das cidades vizinhas. Então se a nossa Rádio era regional eu teria que conhecer o povo dessas cidades, das roças. E assim subi e desci montanhas, contornei lagoas, cruzei rios, riachos e ribeirões e aproveitei ao máximo a oportunidade de bater muito papo, fazer muitas amizades.

Num caderno ia anotando tudo os nomes e endereços de gente das acolhedoras cidades, vilas e acampamentos e o eucalipto já tomando conta de tudo. Era o ano de 1971 e a zona rural estava sendo abandonada por pessoas que vinham para o Vale do Aço a procura de trabalho. Não havia mais uma maneira do fazendeiro manter uma grande quantidade de empregados. Então eram centenas de enormes fazendas de nossa região abandonadas, onde moravam os velhos sozinhos porque os filhos tiveram que sair para buscar uma vida melhor.

Ai criei um quadro no programa que recebeu o título de INTERIOR MEU AMOR. Durava 40 minutos e contava com a colaboração do Izael Godoy e do Artur Machado Valle. Era entretenimento e utilidade pública para aquela pessoa que mora lá naquela casinha, bem pequenininha, lá no pé da serra, soltando uma fumacinha pela chaminé. Pros tirador de leite que dependuravam o radinho no prego do curral.
Que ideia abençoada. Naquele tempo não tinha celular e se vinha uma pessoa visitar um parente hospitalizado, ou adoentado tinha que mandar notícias para os que ficaram lá cheios de preocupação. E era nesse horário que Artur Machado ou o Izael Godoy liam:

- Alô dona Margarita, lá do Barro Branco, sitio do Ipê Amarelo. O sêu Gervásio tá pedindo para levar a charrete até na porteira do Toninho porque a vovó Rosalva teve alta e nós vamos amanhã no ônibus da manhã.

Assim era com as notícias de nascimentos, mortes, festas, aniversários. Hábitos e costumes.
Quer saber quando eu me sentia bastante orgulhoso? Era quando eu recebia aquele monte de cartas do povo da roça, das "mininhas" bonitinhas do interior e dos homens feios que lá sobravam.
Devo-lhes confessar que somente depois de um estágio com o Cumpadre Juca mais o Malasarte foi que aprendi a ler correntemente aqueles, que de princípio eu considerava grotescos garranchos, aquela língua tão deliciosa que me impregnou, me fez bilíngue Não são raras as vezes que me pego exercitando:

- Tresatonde nóis fumo num baile e entonce. num sei pru mó de quê o Zim Bebém assismou que um cabra tinha punhado os zóio na muié dele e foi em casa e truxe uma garrucha..despingolou cabra desembestado........

E era assim que me escreviam,e descobri que existe uma língua portuguesa que a gente aprende na escola e outra, tão bonita ainda que é do domínio das pessoas mais simples, que tiveram menos oportunidade na vida, mais puras, mais sinceras mais matreiras, desconfiadas, especiais e em quase extinção.

Um dia dia levei uma senhora asmática até o Cocais de Cima, numa área rural entre montanhas, Chegamos, parei o carro na beira da estradinha e ela me disse:
-´É lá que eu moro!
Olhei para baixo e lá no fundo da enorme grota estava uma casinha de pau a pique coberta de folhas de indaiá. A senhora foi descendo e bem depois do meio do caminho me gritou:
- Ô Edmar manda uma música pra nóis amanhá!
- Vou mandar bem cedinho.
= Não...não! manda na hora do Interior Meu amor que nóis só escuta nesse horárío pra economizá pia.

( Na foto Manoela Sueli - minha cantora e locutora preferida), Leôncio Corrêa ( notícia de hora em hora), esse humilde locutor que vos fala e ( com licença da má palavra) Izael Godoy )

(Por Edmar Moreira, em fevereiro 2025 - extraido do facebook)